8 de março: mulheres em destaque no Terceiro Setor relatam conquistas e obstáculos enfrentados no meio

Diferente da falta de representatividade e oportunidade nas outras esferas da sociedade, as mulheres são maioria no Terceiro Setor

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Diferente da falta de representatividade e oportunidade nas outras esferas da sociedade, as mulheres são maioria no Terceiro Setor. A informação é da última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua) sobre o tema, que aconteceu em 2019.

Além de representarem 62% das pessoas que realizam trabalho voluntário, elas ainda dominam os cargos de liderança no setor, chegando aos 51%, segundo a pesquisa do Grupo de Institutos Fundações e Empresas (GIFE), de 2017.

Para representar essa parcela da população, que está cada vez mais sob os holofotes, o portal Um Social conversou com quatro mulheres em posição de destaque no Terceiro Setor.

Entre elas, está Ilma Geovanini, publicitária, empresária e cofundadora do site. Ao perceber uma lacuna no universo do jornalismo para publicações sobre o setor, no Espírito Santo, a publicitária decidiu fazer justiça com as próprias mãos.

“As instituições de Terceiro Setor não tinham o espaço que precisavam na mídia, e isso acontece por vários motivos. E eu acabei percebendo isso atendendo essas instituições na minha empresa de comunicação.  Em uma conversa com meu sócio, Vanderson Gaburo, que também atua no Terceiro Setor há anos, decidimos que faríamos algo a respeito”, conta Ilma.

O maior obstáculo, segundo a empresária, é o custeio do portal de notícias. “Tínhamos experiência com veículos de comunicação, com o segmento, mas não tínhamos verba. Mesmo assim, decidimos seguir e bancamos do nosso próprio bolso, por três anos”, explica.

A comunicadora Ilma Geovanini

 

Agora, o site já possui alguns parceiros. “Ainda precisamos de mais empresas e instituições dispostas a contratar os nossos serviços, para que possamos crescer e dar ainda mais visibilidade ao Terceiro Setor Capixaba”, finalizou a empresária.

Essa não é uma preocupação exclusiva de Ilma. Um levantamento da Associação Brasileira de Captadores de Recursos (ABCR) mostrou que as Organizações da Sociedade Civil sofreram uma grande perda no ano de 2023.

Isso porque a ferramenta Monitor de Doações, utilizada pela associação com o apoio do Grupo de Institutos Fundações e Empresas (GIFE), mostrou que houve uma redução drástica de contribuições entre os anos de 2022 e 2023.

O monitor registra apenas doações acima de R$ 3 mil e divulgadas publicamente. Entre os dias 1º de janeiro e 31 de dezembro de 2023 foram registrados R$ 474,9 milhões em contribuições. No mesmo período, em 2022, o montante totalizou R$ 1,4 bilhão, o que representa uma queda de 67%.  Além disso, o número de doadores diminuiu em quase 60%, saindo de 397 para 158.

Nesse mesmo contexto, é importante lembrar que, segundo a pesquisa realizada pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), o Terceiro Setor contribui com 4,27% do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil e gera mais de seis milhões de empregos.

Em entrevista ao Um Social, Paula Martins, gerente do Instituto Américo Buaiz, conversou sobre o assunto.

A advogada Paula Martins

“Hoje não se pode falar em saúde pública, em assistência social, até mesmo cultura ou esporte sem falar de Terceiro Setor. Além de ser muito importante para a economia, é extremamente essencial para todas as atividades. Vamos supor que a Acacci ou a Apae fechassem as portas e parassem de atender. A Administração pública não conseguiria absorver essas ações e, caso fosse particular, parte do público não conseguiria arcar com o custo”, afirma a advogada.

Há quase três anos à frente do IAB, Paula passou por algumas áreas do Direito até chegar na Secretaria de Assistência Social de Vila Velha. Foi lá, que a advogada afirmou ter se encontrado profissionalmente.

“Trabalhar na assistência foi uma virada de chave na minha vida, tanto pessoal quanto profissional. Porque você passa a conhecer uma realidade, que era completamente diferente da minha. Então, você lida com diversas mazelas e eu era muito interessada, então participava das visitas domiciliares, acompanhava os fatos e fui percebendo o quanto as pessoas são carentes de informação”, relata a gerente do IAB.

A advogada ressaltou o quanto gosta de seu trabalho e o quanto é importante que ele não acabe. “As instituições deveriam parar de competir umas com as outras. Se todas passassem a colaborar, os resultados seriam maiores e melhores”.

Agora, a expectativa da advogada para este é que o IAB consiga promover e potencializar os trabalhos, “que já são bem executados, para levar informação, conhecimento e acesso aos direitos e aos serviços para as pessoas que de fato precisam”.

Mulher, negra e presidente de uma OSC

“Ser uma mulher negra, dirigente e fundadora de uma ONG é um desafio diário. Minha experiência de mais de 25 anos como gestora de pequenas e médias empresas me ajudou muito nesse desafio, mas não me blindou completamente. Muitas pessoas ficam surpresas ao descobrir que sou a fundadora e presidente da instituição”.

O relato é de Verônica Lopes de Jesus, administradora, presidente e cofundadora do Instituto Oportunidade Brasil (IOB) e fundadora do Clã das Pretas.

Verônica Lopes de Jesus

 

“Olhar para trás e refletir sobre minha jornada desde o início, como atendente no McDonald’s, até o momento presente é uma experiência gratificante e cheia de aprendizados. Cada passo dessa trajetória contribuiu para minha evolução pessoal e profissional, me desafiando a crescer, aprender e me reinventar constantemente”, conta a dirigente.

Ao UmSocial, Verônica contou que sempre foi apaixonada pelo Terceiro Setor. “Acho inspirador como pessoas comuns, muitas vezes sem recursos, conseguem realizar trabalhos incríveis que transformam a vida de milhares de pessoas. A maioria das ONGs do país é formada por pequenas instituições que sobrevivem com poucos recursos e, mesmo assim, estão por todo o Brasil, mudando vidas”.

Para o futuro, ela espera que o terceiro setor seja cada vez mais profissionalizado, porque isso gera benefícios para todos do setor e promove uma gestão mais transparente e responsável, melhorando a credibilidade das organizações junto aos doadores e à comunidade.

“O desenvolvimento e o aprimoramento de ferramentas são importantes para que possamos medir o impacto das organizações e para que possamos firmar parcerias estratégicas. Acredito que essas ações resultarão em mais recursos para o setor, ampliando assim o alcance das ações promovidas pelas instituições”, finalizou a presidente do IOB.

A favor do meio ambiente e contra o machismo

Fundadora do Instituto Ambiental Reluz, Renata Bomfim ressalta os obstáculos que precisa enfrentar no Terceiro Setor, apenas por ser mulher. “Sou uma professora de literatura, uma escritora e eu entro enquanto defensora do meio ambiente, militante e isso gerou muito incômodo em certas pessoas”.

A escritora Renata Bomfim

O Reluz é uma organização da sociedade civil, sem fins lucrativos, que trabalha em prol da Proteção da biodiversidade, educação ambiental, pesquisa científica e bem-estar animal.

“Não é fácil, mas eu acho importantíssima a presença das mulheres no terceiro setor, porque ele não é mais aquela ideia antiga que a gente tinha, de voluntariado pelo voluntariado. Nós realizamos um trabalho muito importante de auxílio ao poder público, chegando em lugares muitas vezes onde o governo não pode chegar. Por isso, eu acredito que as mulheres têm uma contribuição singular a dar em todos os campos”, explica a dirigente.

Questionada sobre os principais obstáculos enfrentados na luta pelo meio ambiente, sendo mulher, Renata não hesita em responder.

“O principal é o preconceito. Sofri vários tipos de violência, de ser realmente até destratada. Mas eu acho que a gente precisa manter a motivação, não desistir e enfrentar. Não abaixar a cabeça. E isso não quer dizer simplesmente brigar, mas buscar os nossos campos de direito mesmo e usá-los para sermos respeitadas também”, finalizou.

Voluntariado na veia

Nascida de uma família humilde, no interior de Cachoeiro de Itapemirim, a presidente do Instituto Instituto Jutta Batista da Silva (IJBS),
Marlene Piazzarollo, contou que os pais sempre ensinaram que precisavam dividir até o pouco que tinham.

“Para mim isso foi um aprendizado de vida porque sempre procurei dividir o pouco que tinha com outras pessoas . Desde nova visitava as favelas , dava aula de catequese”, conta.

Marlene Piazzarollo

 

Para ela, ser guiada pelo coração não diminui o dom para empreender. “Muito pelo contrário, acho que isso agrega e muito, porque o terceiro setor precisa ser profissional, exige todos os conhecimentos e organização de uma empresa, mas tem um lado muito mais humano. Vejo que, enquanto mulher, conseguimos lidar de uma forma diferente”, afirma a presidente do instituto.

Para os próximos anos, Marlene espera que mais pessoas possam atuar no Terceiro Setor, para que o movimento social possa crescer ainda mais.

“Eu queria muito que o Terceiro Setor fosse apenas um hobby, mas a cada dia que passa só vemos crescer as necessidades e vulnerabilidades na sociedade e, se não intervirmos, a situação seria ainda pior. Então, meu desejo é que consigamos mudar essa realidade em um futuro bem próximo”, finalizou Marlene, que está a frente do instituto desde os anos 2000.

O dia 8 de março é utilizado, internacionalmente, todos os anos, para refletir sobre as conquistas, direitos e as violências sofridas pelas mulheres.

Nesse contexto, segundo a escritora canadense Rupi Kaur, a maior lição que uma mulher pode aprender é que, “desde o primeiro dia, ela sempre teve tudo o que precisa dentro de si mesma. Foi o mundo que a convenceu que ela não tinha”.

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